sexta-feira, 11 de maio de 2012

Simplesmente eu, Clarisse Lispector

Neste final de semana no SESC Santo André...

...adaptado, interpretado e dirigido por Beth Goulart, com supervisão de Amir Hadad. A peça mostra a trajetória de Clarice Lispector em direção ao entendimento do amor, de seu universo, suas dúvidas e contradições. Uma autora e seus personagens dialogando sobre a vida e morte, criação, Deus, cotidiano, palavra, silêncio, solidão, entrega, inspiração, aceitação e entendimento. O texto é extraído de depoimentos, entrevistas, correspondências de Clarice e trechos das obras "Perto do Coração Selvagem", "Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres" e dos contos "Amor" e "Perdoando Deus". O espetáculo tem como um de seus maiores objetivos fomentar a leitura. Ganhador do Prêmio Shell 2009 de melhor atriz e Prêmio APTR 2010 (Associação de Produtores do Rio de Janeiro) de melhor atriz protagonista. Textos: Clarice Lispector. Adaptação, interpretação e direção: Beth Goulart. Duração: 60 minutos. No Teatro.

VALE MUITO, MUITO A PENA VER!!!

Abraços cheios de saudades

Rita Teles

Confira - http://www.sescsp.org.br/sesc/programa_new/mostra_detalhe.cfm?programacao_id=219042


quinta-feira, 28 de julho de 2011

CONVITE


Convidamos a todos os amigos que frequentam esse blog a prestigiarem o espetáculo "CORAÇÃO BAZAR" na VII SEMANA CULTURAL de INVERNO de COSMÓPOLIS.
QUANDO? Neste sábado as 20h
ONDE? no auditório da Escola Municipal Educador Paulo Freire- Rua Monte Castelo, 649.

Para maiores informações: cosmopolis.sp.gov.br/inverno

DIVULGUEM !!!

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Clarice para inspirar

Sei que a Helô adora Clarice. Eu não sou muito fã, mas esse conto vale a pena ser lido. Dica do Guilherme Peres.

Perdoando Deus

Clarice Lispector, no livro Felicidade Clandestina

Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco é que fui percebendo que estava percebendo as coisas. Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade.

Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe. Soube também que se tudo isso “fosse mesmo” o que eu sentia – e não possivelmente um equívoco de sentimento – que Deus sem nenhum orgulho e nenhuma pequenez se deixaria acarinhar, e sem nenhum compromisso comigo. Ser-Lhe-ia aceitável a intimidade com que eu fazia carinho. O sentimento era novo para mim, mas muito certo, e não ocorrera antes apenas porque não tinha podido ser. Sei que se ama ao que é Deus. Com amor grave, amor solene, respeito, medo e reverência. Mas nunca tinham me falado de carinho maternal por Ele. E assim como meu carinho por um filho não o reduz, até o alarga, assim ser mãe do mundo era o meu amor apenas livre.

E foi quando quase pisei num enorme rato morto. Em menos de um segundo estava eu eriçada pelo terror de viver, em menos de um segundo estilhaçava-me toda em pânico, e controlava como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas, terminei no outro quarteirão encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às pálpebras: um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados, e morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos.

Toda trêmula, consegui continuar a viver. Toda perplexa continuei a andar, com a boca infantilizada pela surpresa. Tentei cortar a conexão entre os dois fatos: o que eu sentira minutos antes e o rato. Mas era inútil. Pelo menos a contigüidade ligava-os. Os dois fatos tinham ilogicamente um nexo. Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto. E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor? De que estava Deus querendo me lembrar? Não sou pessoa que precise ser lembrada de que dentro de tudo há o sangue. Não só não esqueço o sangue de dentro como eu o admiro e o quero, sou demais o sangue para esquecer o sangue, e para mim a palavra espiritual não tem sentido, e nem a palavra terrena tem sentido. Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua um rato. Não naquele instante. Bem poderia ter sido levado em conta o pavor que desde pequena me alucina e persegue, os ratos já riram de mim, no passado do mundo os ratos já me devoraram com pressa e raiva. Então era assim?, eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato? A grosseria de Deus me feria e insultava-me. Deus era bruto. Andando com o coração fechado, minha decepção era tão inconsolável como só em criança fui decepcionada. Continuei andando, procurava esquecer. Mas só me ocorria a vingança. Mas que vingança poderia eu contra um Deus Todo-Poderoso, contra um Deus que até com um rato esmagado poderia me esmagar? Minha vulnerabilidade de criatura só. Na minha vontade de vingança nem ao menos eu podia encará-Lo, pois eu não sabia onde é que Ele mais estava, qual seria a coisa onde Ele mais estava e que eu, olhando com raiva essa coisa, eu O visse? no rato? naquela janela? nas pedras do chão? Em mim é que Ele não estava mais. Em mim é que eu não O via mais.

Então a vingança dos fracos me ocorreu: ah, é assim? pois então não guardarei segredo, e vou contar. Sei que é ignóbil ter entrado na intimidade de Alguém, e depois contar os segredos, mas vou contar – não conte, só por carinho não conte, guarde para você mesma as vergonhas Dele – mas vou contar, sim, vou espalhar isso que me aconteceu, dessa vez não vai ficar por isso mesmo, vou contar o que Ele fez, vou estragar a Sua reputação.

… mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim. É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato na mão. Sei que nunca poderei pegar num rato sem morrer de minha pior morte. Então, pois, que eu use o magnificat que entoa às cegas sobre o que não se sabe nem vê. E que eu use o formalismo que me afasta. Porque o formalismo não tem ferido a minha simplicidade, e sim o meu orgulho, pois é pelo orgulho de ter nascido que me sinto tão íntima do mundo, mas este mundo que eu ainda extraí de mim de um grito mudo. Porque o rato existe tanto quanto eu, e talvez nem eu nem o rato sejamos para ser vistos por nós mesmos, a distância nos iguala. Talvez eu tenha que aceitar antes de mais nada esta minha natureza que quer a morte de um rato. Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de “mundo” esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que “Deus” é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe.


sexta-feira, 24 de junho de 2011

Faz muito tempo que não publico nada que eu escrevo... olhando minhas poesias hoje, resolvi colocar uma delas aqui... compartilhar com vocês... uma que escrevi o ano passado

Bolha de sabão


Este estreito precipício

Oculta minha lucidez

Torna turva a visão

Destrói toda rigidez

A voracidade dos fatos

Deixa na penumbra

Meus sonhos reais

Construídos com você

As vidraças desalinhadas

Constrangem meus desejos

A desistência não é covardia

Faz parte da cicatrização

A revelação atordoante

Direciona meu rumo

Cala minha alma

Destapa meus ouvidos

Viro bolha de sabão

Flutuando pelo ar

Em busca do vasto

Interior da solidão

Heloísa Barrozo de Assiz, São Paulo - 25/11/2010

quarta-feira, 22 de junho de 2011

SOBRE O TEATRO COTIDIANO




Vocês, artistas, que fazem teatro
Em grandes casas, sob sóis artificiais
Diante da multidão calada, procurem de vez em quando
O teatro que é encenado na rua.
Cotidiano, vário e anônimo, mas
Tão vívido, terreno, nutrido da convivência
Dos homens, o teatro que se passa na rua.
(...) Como é útil
Esse teatro, como é sério e divertido
E digno!
(...) Que vocês, grandes artistas
Imitadores magistrais, não fiquem nisso
Abaixo deles. Não se distanciem
Por mais que aperfeiçoem sua arte
Daquele teatro cotidiano
Cujo cenário é a rua.
(...)
A misteriosa transformação
Que supostamente se dá em seus teatros
Entre camarim e palco: um ator
Deixa o camarim, um rei
Pisa no palco, aquela mágica
Da qual com freqüência vi a gente dos palcos rir
Copos de cerveja na mão, não ocorre aqui.
Nosso demonstrador da esquina
Não é um sonâmbulo, a quem não se pode tocar. Não é
Um Alto sacerdote no ofício divino. A qualquer instante
Podem interrompê-lo; ele lhes responderá
Com toda calma e prosseguirá
Depois que lhes tiverem falado
Com sua apresentação.

Mas não digam vocês: o homem
Não é um artista. Erguendo tal divisória
Entre vocês e o mundo, apenas se lançam
Fora do mundo. Negassem ser ele
Um artista, poderia ele negar
Que fossem homens, e isto
Seria uma censura maior. Digam antes:
Ele é um artista, porque é um homem. Podemos
Fazer mais perfeitamente o que ele faz, e ser
Por isso festejados, mas o que fazemos
É algo universal, humano, a cada hora praticado
No burburinho das ruas, para o homem tão bom
Quanto respirar e comer.

Assim o seu teatro
Leva de volta às questões práticas. Nossas máscaras, digam
Nada são de especial, enquanto forem somente máscaras(...)
(...)
Máscara, verso e citação tornam-se comuns, mas incomuns
A máscara vista com grandeza, o verso falado bonito
E a citação apropriada.

Mas para que nos entendamos: mesmo se aperfeiçoassem
O que faz o homem da esquina, vocês fariam menos
Do que ele, se o seu teatro fizessem
Menos rico de sentido, de menor ressonância
Na vida do espectador, porque pobre de motivos e
Menos útil.
BERTOLT BRECHT
(tradução de Paulo César de Souza)

terça-feira, 21 de junho de 2011

O processo

A proposta de 2011 é mudar. Pois bem, mudar é o que faremos.

Mudanças nunca acontecem de maneira fácil, pelo menos para mim. Eu sofro muito para cortar o cabelo, para trocar as roupas do meu guarda-roupa, para mudar de grupo de amigos... Deixar para trás e conquistar o novo não é exatamente tarefa fácil para a minha pessoa. Quando o Edu e o Ivan me pediram isso, no começo dos ensaios, já comecei a surtar (porque é isso que as meninas do grupo sempre fazem!).

Assisti Shirley Valentine supercedo a semana antes do ensaio. Fiquei com aquilo ali em suspenso e martelando "o que é diferente? O que é diferente?". Diferente seria eu fazer a cena cantando porque ninguém merece ouvir a minha voz, então eu nunca canto. Mas isso não era o suficiente.

Lembrei-me de uma cena que eu amo fazer, mas que nunca me satisfiz com o resultado dela. O poema chama "Mágico Mirante". É lindo, mas eu nunca acerto. O que me falta naquela cena é emoção real, sentir a ponto de as pessoas acreditarem que eu larguei a peça, deixei de ser atriz e me sentei ali para conversar com o público. Tentei com um texto da Shirley. Peguei um trecho que eu curti, reescrevi e comecei a ler muitas e muitas vezes. Ensaiei cada pausa, foi como se eu me dirigisse em cada respiração, cada gesto.

Consegui. Saiu do jeitinho que eu queria. Incrível como mudar o processo funcionou. Acredito mais em mudanças, acredito mais no processo, no texto e em mim mesma. O que é muito bom. Afinal, o Teatro é feito, em partes, de acreditar.




ps: A Sutil Cia. de Teatro está fazendo uma mostra com três peças no Sesc Belenzinho. Amo o Guilherme Weber. Fica a dica.

ps2: Termina quinta a mostra dos filmes do Hitchcock. Eu sei que já perdemos quase tudo, mas amanhã tem "O Terceiro Tiro" e quinta tem "Cortina Rasgada", entre outros. Dá uma olhada no site do CCBB.

Até breve.
Beijos,
Isa

O TEMPO



A coisa mais misteriosa que existe: o tempo.
O tempo acaba com tudo: com as árvores, com as montanhas, com as pedras, com a água -que se evapora-, com os sentimentos, com os bichos, com os homens.
O tempo acaba com o vigor físico, com o paladar, com o olfato, com o interesse pelas coisas; com a vontade de viajar, de comprar uma roupa nova, de reencontrar um velho amigo, até com a vontade de viver. É cruel, o tempo.
Quem se salva do passar do tempo? Os que não pensam, talvez, ou talvez os que só pensem no momento, aquele que estão vivendo; mas mesmo assim podem pensar que já viveram momentos parecidos e muito melhores que nunca mais vão se repetir, por culpa do tempo.
Qual de nós não foi mais feliz do que agora? E se não éramos, achávamos que iríamos ser um dia, quando tivéssemos mais dinheiro, quando encontrássemos o verdadeiro amor, quando tivéssemos filhos, quando eles crescessem, quando, quando, quando. E agora, você espera exatamente o quê, e a culpa é de quem? Apenas do tempo.
Dele, nada escapa: é o tempo que acaba com os grandes amores, e com os grandes entusiasmos que não resistem a ele, que passa e passa. Não são as coisas que passam: é ele.
Passar é modo de dizer: quando se está muito feliz, ele voa, e quando se está esperando muito por alguma coisa, é como se ele tivesse parado.
É como se estivesse sempre contra nós, e quando acontece de se ter uma vida razoavelmente feliz, um dia se vê que ela já passou, e com que rapidez.
Mas o tempo às vezes é amigo; quando se tem uma grande dor, não há dinheiro, viagens, distrações, trabalho ou aventuras que ajudem: só o tempo.
Não chega a ser um tratamento de choque, rápido, como se gostaria; é uma coisa vaga, lenta, que não dá nem para perceber que está acontecendo, mas um dia você acorda e se dá conta de que o sol está brilhando -coisa que passou meses sem perceber que acontecia diariamente-, se olha no espelho, tem uma súbita vontade de abrir a janela e respirar fundo.
Ainda não sabe, mas está salva. E um dia, muito depois, vai saber que foi o tempo, e só ele, que a salvou.
Nunca se pensa no poder do tempo, do quanto ele comanda nossa vida; também nunca se pensa no quanto ele é precioso, mas um dia você vai lembrar que ele passou e não volta mais. Lembra quando você tinha 20, 30 anos, e se achava infeliz? Se achava, não: era mesmo.
E quando era adolescente, não era também profundamente infeliz, como é obrigação de todos os adolescentes?
Mas será que ninguém tem um tio, desses meio doidos que todo mundo tem, que pegue um desses meninos ou meninas de 13, 15 anos, sacuda pelos ombros e diga "pare de achar que tem problemas, viva sua juventude, não perca tempo sendo complicada, neurótica, reclamando que sua mãe não te entende e que seu pai não te dá a devida atenção. Danem-se seu pai e sua mãe, aproveite a vida".
Para ter uma maturidade com poucos arrependimentos, é preciso não perder tempo, e mesmo fazendo uma bobagem atrás da outra, é melhor do que não fazer nada. Os pais querem que os filhos estudem para ter uma profissão, e estão certos; mas quem vai dizer aos adolescentes para eles aproveitarem o tempo para serem felizes em todos os minutos da vida? Quem?

PS - Quando terminei de escrever esta crônica, lembrei de uma entrevista que fiz há mais de 20 anos com Pedro Nava, dez dias antes de sua morte. Ele disse que os jovens, até 30 anos, não deveriam fazer nada, nem estudar, nem trabalhar, apenas viver a vida. Ele talvez tivesse razão

DANUZA LEÃO