quarta-feira, 22 de junho de 2011

SOBRE O TEATRO COTIDIANO




Vocês, artistas, que fazem teatro
Em grandes casas, sob sóis artificiais
Diante da multidão calada, procurem de vez em quando
O teatro que é encenado na rua.
Cotidiano, vário e anônimo, mas
Tão vívido, terreno, nutrido da convivência
Dos homens, o teatro que se passa na rua.
(...) Como é útil
Esse teatro, como é sério e divertido
E digno!
(...) Que vocês, grandes artistas
Imitadores magistrais, não fiquem nisso
Abaixo deles. Não se distanciem
Por mais que aperfeiçoem sua arte
Daquele teatro cotidiano
Cujo cenário é a rua.
(...)
A misteriosa transformação
Que supostamente se dá em seus teatros
Entre camarim e palco: um ator
Deixa o camarim, um rei
Pisa no palco, aquela mágica
Da qual com freqüência vi a gente dos palcos rir
Copos de cerveja na mão, não ocorre aqui.
Nosso demonstrador da esquina
Não é um sonâmbulo, a quem não se pode tocar. Não é
Um Alto sacerdote no ofício divino. A qualquer instante
Podem interrompê-lo; ele lhes responderá
Com toda calma e prosseguirá
Depois que lhes tiverem falado
Com sua apresentação.

Mas não digam vocês: o homem
Não é um artista. Erguendo tal divisória
Entre vocês e o mundo, apenas se lançam
Fora do mundo. Negassem ser ele
Um artista, poderia ele negar
Que fossem homens, e isto
Seria uma censura maior. Digam antes:
Ele é um artista, porque é um homem. Podemos
Fazer mais perfeitamente o que ele faz, e ser
Por isso festejados, mas o que fazemos
É algo universal, humano, a cada hora praticado
No burburinho das ruas, para o homem tão bom
Quanto respirar e comer.

Assim o seu teatro
Leva de volta às questões práticas. Nossas máscaras, digam
Nada são de especial, enquanto forem somente máscaras(...)
(...)
Máscara, verso e citação tornam-se comuns, mas incomuns
A máscara vista com grandeza, o verso falado bonito
E a citação apropriada.

Mas para que nos entendamos: mesmo se aperfeiçoassem
O que faz o homem da esquina, vocês fariam menos
Do que ele, se o seu teatro fizessem
Menos rico de sentido, de menor ressonância
Na vida do espectador, porque pobre de motivos e
Menos útil.
BERTOLT BRECHT
(tradução de Paulo César de Souza)

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